domingo, 18 de janeiro de 2009

Conto 4 - Chocolate com Marshmellow

Conto: Chocolate com Marshmellow
Autor: Rodrigo Guimarães Motta
Escrito em: 1994

Que preguiça! Deve ser mezinha da Lena, ter que sair da imobiliária nesse calorão todo para ir até Barramares pegar assinatura do síndico. E olha que de Porto até o condomínio são dez quilômetros. O ônibus tava cheio de paulista, que sotaque mais engraçado, orra meu! Ainda bem que a noite tem trio, vou descansar desse trabalho todo requebrando com o Olodum.
Tá aqui a casa do Gringo, só esperar ele abrir a porta, mas já bati três vezes... esses americanos são estranhos, vou dar uma espiada no quarto dele, quem sabe não tá dormindo. Dando a volta pela casa, não precisei ir até o quarto, da janela da cozinha descobri porque não abriam a porta.
- Vem cá Chocolate, mais um beijinho – o grandão e desajeitado americano, sentado chamava – só mais um, por favor.
- Você é muito diferente, sabe – a risada comprida e de dentes muito brancos da Simone, zeladora do condomínio, enche a cozinha – Os daqui não ficam pedindo beijinho, logo abraçam e arrancam um beijão.
- Tá bom, tá bom, Chocolate, as you wish – o Gringo levantou e foi até Simone estralar o maior beijo na sua boca. De costas, seu corpo branco tremia, até parece aquele cuzcuz que Lena me deu para provar, tinha comprado no aeroporto, qual era o nome? Marximélou, eu acho. Quem viu anteontem a reunião lá na imobiliária, ia entender esse casal. Espere até Lena saber.

- Você tem que tomar uma atitude, John, isto não está certo – gritava a morena de olhos azuis, magra e elegante na sua canga de Bali – essa fulana aí não me respeita, não faz nada do que eu mando.
- Sim amor, eu entendo – o brancão suava de monte, mesmo com todo o ar condicionado da imobiliária – mas o que você quer que eu faça?
- Ora essa, formado por Harvard, diretor de multinacional, perguntando o que fazer? A indivídua se recusou a obedecer as ordens da mulher do síndico do condomínio para ir dançar! Nós pagamos para ter uma zeladora, não uma vagabunda – a morena estava muito vermelha, de sol ou de raiva, seus olhos mais gelados não conseguiam ficar.
Nesse momento, Simone, que escutava quieta a discussão do casal, se defendeu – A senhora me desculpe, mas eu não sou vagabunda não. Faço meu trabalho das sete até as vinte horas, do meu lazer fora desse horário quem decide sou eu.
- John, você escutou isso? Ainda por cima é respondona. Maldita hora que você resolveu comprar essa droga de casa em Porto Seguro, o Guarujá tão perto de São Paulo, e os empregados são muito mais educados.
- Amor, você chamou a zeladora de vagabunda, isso não está certo. E no contrato de trabalho dela nada diz que como zeladora ela tem de estar a sua disposição e de suas amigas para preparar muqueca de siri às onze da noite de domingo – As mãos trêmulas do Gringo John em cima da mesa revelaram o quanto custaram essas palavras.
- Obrigado, senhor – as palavras cheias de gratidão, seus olhos o fitavam com muito brilho, agora eu sei o tesão que estava atrás desse olhar da negra Simone.
- De que lado você está, afinal? Até parece que quem tem que resolver essa crise sou eu e não você, que é síndico do condomínio e m-e-u marido, ora essa – a morena tinha ficado tão vermelha que eu pensei em chamar Lena, talvez ela tivesse um troço e eu não entendo de primeiros socorros – E tem mais: para mim chega, estou levando as crianças de volta para São Paulo, não vou passar esses dias que eles tem ainda de férias me incomodando. O senhor, porém, fique sabendo de uma coisa, se não tomar uma atitude já-já eu e meus filhos não colocamos o pé nessa terra mais.
- Está OK meu amor – se virou lentamente para mim, as duas mulheres, sua esposa e Simone, aguardando a decisão – Você pode conseguir outra funcionária para trabalhar no turno da noite, no horário de descanso de Simone? O Gringo não precisou nem terminar a frase, sua esposa já estava longe, saíra batendo a porta da sala com toda a força, BLAM! Well, acho que vou passar meu final de férias sozinho.
- Só se você quiser – a negra Simone falou ao se levantar, toda sensualidade – Tenho que voltar ao trabalho, com licença.
Sozinha na sala do síndico, prometi trazer a solicitação para contratar mais um funcionário para ele assinar o mais rápido que eu conseguisse. Ele concordou com um jeito meio distante e saiu.

Fiquei admirando mais um pouco os dois pela janela, tão carinhosos um com o outro. Chocolate com Marximélou recheado de risos e beijos, o sabor desse cuzcuz delicioso se misturando com o cheiro de peixe, camarão e azeite de cozinha. Logo o Gringo John vai ter que voltar para a canga de Bali e seus gritos e reclames, deixa ele e a Simone se divertirem numa boa que eu volto outra hora.
Saí andando lentamente, o calor está muito forte e tenho dez quilômetros até Porto.

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