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Título: O aumento da campetição no varejo e seu impacto na indústria
Autores: Rodrigo Guimarães Motta e Antônio Vitorino da Silva
Publicado em: Revistas Gerenciais, vol. 5
Ano - 2006
Resumo
Resumo
Durante muito tempo as indústrias, principalmente as detentoras de marcas fortes e com atuação multinacional, impunham suas condições aos varejistas que eram, em sua maioria, pequenas empresas com atuação regional. Em pesquisa realizada junto a dez executivos das áreas de marketing, trade marketing e vendas de fabricantes com faturamento acima de 100 milhões de reais por ano, detectou-se que recentes mudanças verificadas no varejo, como a globalização de supermercados, a consolidação das redes supermercadistas, o fortalecimento de marcas próprias, a expansão de novos formatos varejistas, a organização de centrais de negócios, a concorrência entre varejos de formatos distintos e o varejo on-line, inverteram essa relação de força. Pressionadas pelos varejistas, agora mais fortes, as indústrias estão tendo queda em seus resultados. Para reverter essa situação, o marketing mix está sendo revisto, de forma a torná-lo mais adequado à necessidade dos varejistas, com produtos e preços confeccionados por canal de distribuição e maiores investimentos em trade marketing. As estruturas dos fabricantes também sofreram alterações, com destaque para a implementação de equipes de trade marketing.
Palavras-chave: Competição. Indústria. Varejo.
1 Introdução
O século XX presenciou tanto o surgimento quanto o desenvolvimento das grandes indústrias de bens de consumo não-duráveis. Procter & Gamble, Unilever, Colgate, Johnson & Johnson, Kraft Foods, Coca-Cola, todas se consolidaram em diversos países do mundo, marcando presença na mente (e no lar) dos consumidores com estratégias de marketing agressivas. Há muitas indústrias de bens de consumo que comercializam seus produtos diretamente para os consumidores, como a Avon e a Natura, porém o principal meio de distribuição de bens de consumo é o varejo alimentício. Segundo Parente (2000), esse tipo de varejo, que possui uma ampla variedade de modelos e atende a significativa parcela das necessidades da população, é composto de diversos formatos de loja, que são apresentados a seguir.
Bar: área de venda entre 20 e 50 metros quadrados (m2) que comercializa, em média, 300 itens e tem as seções de mercearia, lanches e bebidas;
Mercearia: área de venda entre 20 e 50 m2 que comercializa, em média, 500 itens e possui as seções de mercearia, frios, laticínios, bazar e lanches;
Padaria: área de venda entre 50 e 100 m2 que comercializa, em média, mil itens e tem as seções de padaria, mercearia, frios, laticínios e lanches;
Minimercado: área de venda entre 50 e 100 m2 que comercializa, em média, mil itens e tem as seções de mercearia, frios, laticínios e bazar;
Loja de conveniência: área de venda entre 50 e 300 m2 que comercializa, em média, mil itens e tem as seções de mercearia, frios, laticínios, bazar e lanches;
Supermercado: área de venda entre 300 e 2.500 m2 que comercializa, em média, 9 mil itens e tem as seções de mercearia, hortifruti, carnes, aves, frios, laticínios, peixaria, bazar, têxtil e eletrônicos;
Hipermercado: área de venda entre 3.000 e 16.000 m2 que comercializa, em média, 45 mil itens e tem as seções de mercearia, hortifruti, carnes, aves, frios, laticínios, peixaria, bazar, têxtil e eletrônicos;
Essas lojas podem ser independentes, membros de uma franquia ou redes. De acordo com Kumar (2004), esses varejistas, no passado, possuíam atuação local, eram gerenciados por famílias e possuíam a imagem de um negócio simples que, para ser gerenciado, não necessitava de mão-de-obra qualificada. As indústrias, nesse contexto, utilizavam seu poder superior de barganha, em razão do seu tamanho e da força de suas marcas, para coagir os varejistas, quando necessário, para atingir seus objetivos. Dessa forma, lançamentos de produtos eram colocados em linha pelos varejistas para que pudessem continuar a ter os produtos líderes em suas prateleiras e aumentos de preços não eram negociados, sendo acatados pelos varejistas sem maiores negociações. Esse era um ambiente de negócios tenso e conflituoso e Kumar (2004) coloca três motivos que explicam porque a “exploração dos canais de distribuição pode ter efeitos imediatos, mas não funciona no longo prazo”:
• Obter vantagens excessivas de concessões que não são justas gera uma indisposição que pode voltar-se contra o seu causador se a balança de forças se reverter;
• Seguindo os princípios da física, a força que os fabricantes exercem para explorar os varejistas em algum momento dá origem a uma força de intensidade igual e direção contrária;
• Esse não é o modelo de relação que permita o desenvolvimento de parcerias de longo prazo, que gerem resultados de negócios duradouros para as partes envolvidas.
Este artigo se propõe a examinar se houve mudanças no varejo alimentício no Brasil nos últimos dez anos e, em caso afirmativo, qual o impacto que isso ocasionou nos resultados, nas estratégias e nas estruturas das indústrias de bens de consumo não-duráveis. Por não existir nenhum trabalho que analise o que as mudanças do varejo ocasionaram com as indústrias, esse é um estudo exploratório que pode ser complementado no futuro por outros trabalhos acadêmicos. Dessa forma, foram entrevistados no primeiro semestre de 2006, vinte executivos das áreas de marketing, trade marketing e vendas de fabricantes com faturamento acima de 100 milhões de reais por ano. Foram escolhidas essas indústrias de maior porte, por serem maiores e possuírem recursos humanos e financeiros para enfrentar as mudanças ocorridas com os varejistas. Foi utilizado um questionário semi-estruturado com roteiro pré-estabelecido e testado (perguntas em anexo), que investiga quais mudanças no varejo ocorreram, o que essas acarretaram com os resultados das indústrias, qual foi o seu impacto nas estratégias de marketing e quais foram as modificações nas estruturas de marketing e vendas dos entrevistados.
2 As mudanças ocorridas no varejo
A pesquisa realizada indicou sete mudanças ocorridas no varejo que foram mencionadas por todos os entrevistados: 1) globalização das grandes redes supermercadistas; 2) consolidação das redes de supermercados; 3) surgimento de novos formatos varejistas; 4) aparecimento de marcas próprias; 5) constituição de centrais de negócios por parte de pequenos varejistas; 6) concorrência entre varejistas de configurações distintas; 7) implementação do varejo on-line. Cada um desses itens recebeu, por parte dos entrevistados, uma pontuação para avaliar o seu grau de importância para as indústrias (de 1, pouco importante a 5, muito importante) e o impacto nos negócios (de 1, muito positivo, até 5, muito negativo). Finalmente foi perguntado se essa tendência vai se intensificar nos próximos anos. Os resultados serão vistos, detalhadamente, a seguir.
2.1 Globalização das grandes redes supermercadistas
Grau de importância: 4,2
Impacto nos negócios: 3,8
Vai se intensificar nos próximos anos: 90%
Assim como em outros segmentos dos negócios, a globalização do varejo tem se acelerado, de forma constante, ao longo dos últimos anos. Segundo Randall (1994), os principais fatores que culminaram com o advento da globalização nesse setor são: a necessidade de negociar melhores condições com grandes fabricantes de bens de consumo que iniciaram seu processo de globalização há mais tempo e a saturação de mercados mais maduros como o mercado estadunidense e o europeu. Seguindo essa tendência, grandes redes multinacionais, atraídas pelo tamanho do mercado brasileiro, iniciaram suas operações no Brasil e já tem uma representação significativa. O Carrefour (França) entrou na década de 1970, o Sonae (Portugal) começou a operar na década de 1980 e o Wal-Mart (Estados Unidos) veio para o Brasil nos anos 1990. A própria Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), maior rede varejista nacional e detentora das bandeiras Extra (hipermercados), Pão de Açúcar (supermercados para público de renda mais elevada) e Compre Bem (supermercado com perfil mais popular), tem participação acionária do grupo Casino (França), desde 1999. Segundo Souza (2004), essas empresas multinacionais exercem pressão, cada vez maior, nos fabricantes por um atendimento melhor, por acordos de comercialização mais atraentes e, principalmente, por preços mais competitivos. Sua participação, que era de 16% em 1994, em 2002 chegou a 50,4% das vendas totais dos 20 maiores supermercados do Brasil.
2.2 Consolidação das redes de supermercados
Grau de importância: 4,3
Impacto nos negócios: 3,6
Vai se intensificar nos próximos anos: 80%
O processo de globalização, segundo Parente (2000), acelerou a consolidação dos supermercados brasileiros. As redes presentes no Brasil, tanto multinacionais quanto nacionais, iniciaram, em anos recentes, um esforço significativo para aumentar sua força nas negociações com os fornecedores e também para reduzir seus custos fixos. O caminho adotado foi a aquisição de redes pequenas ou em dificuldades pelos concorrentes mais agressivos. Las Casas (2004) levantou as aquisições feitas pelas grandes redes varejistas nos últimos anos. A CBD adquiriu importantes redes regionais, como o Peralta, o Barateiro e o Sé; o Carrefour comprou o Eldorado e, mais recentemente, as lojas do Sonae em São Paulo; o Wal-Mart comprou a rede Bompreço, líder em vendas no nordeste do Brasil. Souza (2004), em conjunto com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), realizou estudo em que apresenta que houve um significativo aumento da participação das 20 principais redes supermercadistas no país – em 1994 representavam 56% das vendas do setor e hoje possuem 78,2%.
2.3 Surgimento de novos formatos varejistas
Grau de importância: 3,5
Impacto nos negócios: 3,1
Vai se intensificar nos próximos anos: 90%
As multinacionais do varejo também trouxeram para o Brasil novos formatos. Os hard discounts, por exemplo, são lojas de auto-serviço compactas, com baixo custo fixo e sortimento limitado, que atendem regiões geográficas limitadas. Reportagem da revista Exame (PADUAN, 2005), aponta que esse formato responde por 35% das vendas totais do setor supermercadista na Alemanha e que multinacionais já entraram com suas bandeiras no Brasil, com destaque para o DIA% (Carrefour), com 220 lojas. Os hard discounts, são especialmente perigosos para as indústrias, pois se por um lado possuem o poder de barganha de uma grande organização para obter preços competitivos e também eliminam concorrentes menos agressivos, como mercearias e supermercados independentes, por outro lado não conseguem concorrer com seus preços onde os fabricantes comercializam seus produtos com margens mais altas. Outros formatos podem surgir também como, por exemplo, o clube de descontos (venda para associados, que podem ser consumidores e pequenos varejistas), que chegou ao Brasil por meio do Wal-Mart, com sua bandeira Sam’s Club.
Em parte por ser uma tendência recente e em outra por não ter a mesma força no Brasil, quando comparada a outros países, os executivos das indústrias de bens de consumo que participaram dessa pesquisa atribuíram um grau de importância (3,5) e um impacto nos negócios (3,1) menores do que os atribuídos para a globalização dos supermercados, consolidação do varejo e marcas próprias, apesar de 90% reconhecer que os novos formatos devem proliferar cada vez mais.
2.4 Aparecimento de marcas próprias
Grau de importância: 3,9
Impacto nos negócios: 4,0
Vai se intensificar nos próximos anos: 70%
Marcas próprias são aquelas desenvolvidas e comercializadas exclusivamente por um determinado varejista. Segundo Randall (1994), os varejistas conceberam e incentivaram o crescimento de marcas próprias para fidelizar seus consumidores e também para escapar da guerra de preços com concorrentes, que ofertavam o mesmo produto a preços mais baixos. A única forma de concorrer contra isso era reduzir os preços do seu produto, o que fazia com que o concorrente abaixasse ainda mais o seu preço e o ciclo continuava de forma a que os varejistas tivessem um lucro cada vez menor. Por serem produtos de boa qualidade comercializados por um preço um pouco inferior ao das marcas líderes, representam uma ameaça às marcas comercializadas pela indústria, à medida que os consumidores passem a optar por esses produtos, mesmo quando tenham recursos para adquirir concorrentes com marcas mais tradicionais. Parente (2000) aponta que, apesar de representar apenas 6% das vendas no Brasil – na Inglaterra respondem por 29,7% –, os varejistas brasileiros vêm dedicando cada vez mais atenção ao seu desenvolvimento tanto que hoje todas as grandes redes de supermercados e algumas redes médias já possuem marcas próprias em seus estabelecimentos.
2.5 Constituição de centrais de negócios por parte de pequenos varejistas
Grau de importância: 3,7
Impacto nos negócios: 2,7
Vai se intensificar nos próximos anos: 80%
Os pequenos supermercados que ainda não foram adquiridos têm se agrupado em cooperativas ou centrais de negócios. Las Casas (2004) ressalta que esse movimento busca aumentar a competitividade em relação aos concorrentes de grande porte. No início, o objetivo dessas cooperativas era juntar esforços para ter uma negociação mais vantajosa com as indústrias. Com o tempo, além das negociações centralizadas, as cooperativas passaram a desenvolver uma série de outras iniciativas em conjunto, como, por exemplo, campanhas de marketing, treinamento, desenvolvimento de sistemas de gestão. Segundo pesquisa realizada pela consultoria GMS&D e publicada na Exame (NUNES, 2004), as centrais de compra em 2004 participavam com 10% do faturamento do varejo e a previsão é que até 2008 passem a representar 20%. Em 1994 eram cinco centrais, hoje já são 188 e até 2008 a previsão é que existam no Brasil mais de 400 cooperativas.
O fenômeno das centrais de negócios, segundo 80% dos entrevistados, deve se intensificar a partir de agora por isso lhe atribuem um grau de importância de 3,7 e uma avaliação intermediária sobre o impacto que vai causar aos negócios das indústrias (2,7). Isso ocorreu porque há visões distintas sobre organização dos pequenos varejistas em centrais. Enquanto alguns temem que essas, com mais força, passem a exercer a mesma pressão nas indústrias que hoje é feita pelas grandes redes, outros acreditam que o aumento das vendas das centrais pode oferecer uma oportunidade para reduzir a força dos varejistas multinacionais, como declarou um gerente de marketing em sua entrevista:
Uma das nossas esperanças é o aumento das cooperativas de compra que juntas podem fazer frente, ou melhor, amenizar os danos causados pelo aumento da concentração das redes, que geram um grande poder barganha, apesar da nossa concentração ainda ser baixa se comparada a outros países.
2.6 Concorrência entre varejistas de configurações distintas
Grau de importância: 3,1
Impacto nos negócios: 3,2
Vai se intensificar nos próximos anos: 90%
Segundo Parente (2000), outro resultado do acirramento da concorrência faz com que varejistas de formatos distintos entre si sejam concorrentes em diversas categorias de produto. Padarias, que no passado comercializavam quase que exclusivamente pães, revisaram sua estratégia de forma a recuperar sua clientela, que passou a comprar pães em supermercados. Hoje, as padarias mais modernas concorrem em diversas categorias que não eram seu foco de atuação: além do setor destinado para a venda de pães, pode se encontrar, no mesmo local, um bar-restaurante e uma loja de conveniência. Os pequenos varejistas, como bares, mercearias e padarias são os canais, pelo seu menor poder de barganha, onde as indústrias conseguem negociar com preços mais elevados. A sua perda de força pode transferir o seu volume de vendas para as grandes redes, com prejuízo para a rentabilidade dos fabricantes que têm se esforçado para reverter esse quadro.
2.7 Implementação do varejo on-line
Grau de importância: 2,4
Impacto nos negócios: 3,1
Vai se intensificar nos próximos anos: 100%
Las Casas (2004) lembra que o varejo on-line é um dos formatos varejistas com taxas de crescimento mais significativas. Isso é confirmado pelos entrevistados, tanto que 100% acreditam que as vendas pela internet devem aumentar nos próximos anos. Isso ocorre devido ao aumento de usuários da internet e também em razão da vida atribulada do cidadão de grandes centros urbanos, que buscam maior conveniência e praticidade. Apesar de os países com economias mais maduras, como os Estados Unidos, terem grandes empresas que vendem seus produtos pela internet (Ex.: Amazon.com), e o Brasil já ter empreendimentos focados no setor (Ex.: Americanas.com, que recentemente adquiriu o portal Submarino), para a indústria de bens de consumo não-duráveis é hoje a tendência com o menor grau de importância (2,4). Outro ponto é que poderia impactar negativamente nos negócios se os grandes varejistas passarem a vender seus produtos pela internet, aumentando seu volume de vendas e, dessa forma, seu poder de barganha.
3 O impacto nos resultados, estratégias e estruturas das indústrias
As mudanças detectadas, em especial a globalização das redes, a consolidação do setor supermercadista e o surgimento de marcas próprias, confirmam a idéia de Randall (1994, p. 3), que diz “[...] uma vez que nos mercados de hoje obter uma distribuição adequada é uma condição necessária para o sucesso, a balança do poder parece ter se movido em direção aos varejistas”. A conseqüência imediata desse fato é a obtenção de resultados melhores por parte dos varejistas e a queda de rentabilidade das indústrias. A revista Exame (BLECHER, 2002), aponta que o resultado operacional das empresas de bens de consumo caiu de 6,3% em 1997 para 3,2% em 2000, enquanto o resultado de todas as quatro principais redes varejistas apresentou incrementos em valores absolutos e percentuais. Isso pode ser confirmado na pesquisa em que, para 70% dos entrevistados, o resultado das indústrias piorou devido às mudanças ocorridas no varejo, 10% disseram que seu resultado permaneceu o mesmo e 20% declarou que o resultado melhorou.
A questão que se coloca para os grandes fabricantes a seguir é qual a estratégia e o marketing mix (produto, preço, promoção e ponto-de-venda) mais adequados para responder a esse cenário, visto que, de acordo com Rosenbloom (2002, p. 153),
[...] desenvolver um marketing mix com estratégias de produto, preço, comunicação e distribuição que atenda às demandas dos mercados-alvo da empresa de uma forma melhor do que o concorrente é a essência do gerenciamento do marketing moderno.
A pesquisa buscou fornecer elementos para que seja possível responder a essa pergunta, investigando quais as principais mudanças que foram implantadas no marketing mix das indústrias para recuperar a sua rentabilidade e aumentar sua competitividade, frente às mudanças ocorridas no varejos descritas anteriormente.
3.1 Produto
Cem por cento das indústrias reagiram a essas mudanças alterando o seu portfólio de produtos, antes disso, as empresas desenvolviam os produtos mais adequados às necessidades dos consumidores e, nessas condições, era possível o mesmo produto ser vendido em todos os canais de distribuição. Para atender as demandas dos grandes varejistas por produtos exclusivos e para alavancar o negócio de canais mais rentáveis (aqueles que exercem menos pressão por preços e serviços), as indústrias desenvolveram produtos e embalagens específicas para as necessidades de cada canal. Além disso, passaram a trabalhar, em ocasiões especiais, com embalagens promocionais. Com produtos distintos sendo comercializados, os varejistas, em especial os supermercadistas, não necessitam vender mais barato do que o desejado esses produtos, pois não há guerra de preços entre redes e canais, logo há menos pressão por descontos sobre os fabricantes. Como coloca um dos entrevistados,
[...] lançamos novas embalagens segmentadas por canal de distribuição, para mudar o foco de uma embalagem que não apresentava diferencial competitivo frente aos principais concorrentes – assim conseguimos fazer com que os clientes e consumidores perdessem o foco da procura do produto apenas pelo seu preço, conseguindo ao mesmo rentabilizar os negócios da empresa.
3.2 Preço
Outro componente do marketing mix muito afetado pela mudança varejista foi a política de preços que, segundo 100% dos respondentes, sofreu alterações. Nesse ponto, porém, é possível observar que não há um único caminho a seguir.
Enquanto 50% das indústrias reagiram com reduções no preço de tabela ou ações pontuais mais agressivas – tablóides, encartes e ofertas em lojas – com o objetivo de aumentar a receita total e, dessa forma, o resultado, 18,8% subiram seus preços e reduziram suas ações pontuais, correndo o risco de perder competitividade e, conseqüentemente, receita para os concorrentes – ao adotar essa postura, aceitaram perder uma parte do seu volume de vendas, desde que o resultado final fosse superior ao obtido no cenário anterior. Outras indústrias, porém, investiram em propostas mais inovadoras como o desenvolvimento de linhas de produto com diferentes posicionamentos de preços, como linhas de produtos com preços mais acessíveis para consumidores de baixa renda e linhas de produtos light para consumidores com renda mais elevada. Além disso, foram elaboradas também tabelas de preço para cada canal de distribuição (um canal que atende consumidores de poder aquisitivo mais alto, como as lojas de conveniência, pode ter um preço distinto do praticado por canais que atendem aos consumidores de baixa renda, como os hard discounts).
3.3 Promoção e ponto-de-venda
Da verba total de marketing, 100% das indústrias entrevistadas aumentaram os investimentos em trade marketing (enquanto o marketing relaciona-se com o consumidor final, o trade marketing desenvolve os negócios com o trade, isto é, os canais de distribuição), objetivando recuperar o posicionamento de seus produtos junto aos varejistas – que podem estar mais interessados em vender suas marcas próprias ou então em reduzir as vendas de uma empresa em específico e esperar que ela o procure em condições mais vantajosas de comercialização. E esse investimento é dividido de que forma entre as diferentes possíveis atividades? Resposta: 40% dos entrevistados declararam que realizam mais ações no ponto-de-venda, como degustações, abordagens, sorteio de prêmios e concursos culturais; 35% desenvolvem mais e melhores materiais promocionais para que seu produto ganhe destaque nas gôndolas dos varejistas; enquanto 20% passaram a realizar um maior número de ações cooperadas com os varejistas (como tablóides, anúncios de televisão e promoções ao consumidor que são feitas pelo varejista e que contam com o apoio da indústria). Esses esforços demonstram a busca das empresas em aumentar ou manter suas vendas, sem ter de reduzir seus preços, e a importância crescente do ponto-de-venda como local onde o consumidor decide o que irá comprar. Ou seja, varejistas fortes, proprietários de estabelecimentos atraentes e com capacidade de investir em marketing, são capazes de atrair os consumidores para suas lojas e orientar as vendas para os produtos que mais os interessem. Bessa (2005) destaca que no Brasil 85% das compras já são decididas no local onde são realizadas.
Apenas 5% aumentaram seus investimentos em outras ferramentas de marketing (Ex.: mídia), o que pode configurar um risco a médio e longo prazo, pois, segundo Randall (1994), marcas fortes são imprescindíveis para garantir que consumidores desejem e comprem determinado produto. Investimentos não devem ser direcionados apenas em trade marketing, ainda que hoje seja uma necessidade, mas também devem ser feitos em relação ao marketing com o fito de posicionar, de forma consistente, a marca na mente dos consumidores. Reportagem publicada na revista Exame (BLECHER, 2002, p. 51) reforça esse risco:
[...] com tudo isso, as indústrias estão se tornando vulneráveis em aspectos fundamentais de seu negócio. Um estudo recente feito pela PriceWaterhouseCoopers (PWC) alerta que os fabricantes de bens de consumo estão correndo o risco de se tornar “comoditizados” em poucos anos. Ou seja, suas marcas empalidecerão aos olhos dos consumidores [...] de acordo com a publicação [estadunidense] Advertising Age, os anúncios de bens de consumo representavam 45% dos investimentos e mídia nos anos 1980. Hoje, menos de 20%. Não é de estranhar que, das 74 marcas presentes nas listas das 100 maiores do mundo nos últimos dois anos, segundo avaliação da consultoria britânica Interbrands, 41% perderam em média 5% do seu valor.
Com novas estratégias e planos de ação, as indústrias, segundo 90% dos entrevistados, tiveram que reformular seus departamentos comerciais (marketing e vendas) para adaptá-los a atender ao novo foco do trabalho muito mais direcionado ao canal de distribuição, como foi apresentado.
Ao analisar o departamento de marketing, pode-se perceber que diferentes alternativas foram desenvolvidas, tanto que 40% das empresas pesquisadas aumentaram sua estrutura de marketing, 40% reduziram seu tamanho e 20% a mantiveram sem alterações. Já a estrutura de vendas, ao contrário, foi reforçada para atender à complexidade da nova formatação varejista em 60% das empresas, enquanto 30% a mantiveram do mesmo tamanho e apenas 10% reduziram o número de profissionais de vendas. Essa tendência pode ser exemplificada em reportagem da revista Exame (BLECHER, 2002):
A Unilever [...] que depois absorveu a Bestfoods, decidiu apostar no atendimento direto em 8 mil pontos de venda. Cerca de 600 vendedores equipados com palmtop serão responsáveis pela tarefa. Isso possibilitará melhor distribuição das vendas e, no médio prazo, a redução pela metade da dependência do grande varejo, que responde atualmente por 20% de suas vendas. A exemplo da Unilever, a Nestlé também aposta na ampliação de seus canais de venda. Em apenas um ano, o grupo suíço reforçou em 30% sua força de vendas e ampliou de 5,5 mil para 8 mil o número de pontos atendidos diretamente.
Antes dessas mudanças, a maior parte das estruturas marketing era formada por gerentes de produto. Esses profissionais, voltados a desenvolver estratégias para atrair os consumidores, nem sempre têm uma visão clara da importância dos varejistas em seus negócios, como pode ser visto em depoimento apresentado por Céspedes (1996, p. 24):
O marketing, na maioria das empresas, é gerenciado da forma como deveria ter sido gerenciado naquele setor há cinco ou dez anos. Porque essa foi a última vez que os executivos responsáveis pelas decisões de marketing realmente importantes da empresa realizaram atividades externas regularmente. Em conseqüência disso, as decisões são tomadas hoje com base em visões obsoletas dos fatos referentes à interface entre as empresas e seus clientes.
Esse foco em conhecer as necessidades dos varejistas, em inseri-las no marketing mix e implementar, de forma mais efetiva, as estratégias da empresa, é feito por uma estrutura que vem ganhando força cada vez maior nos últimos anos, o trade marketing. A pesquisa confirma isso, pois 70% das indústrias implementaram essa a estrutura, que pode ser organizada de acordo com o canal de distribuição, por conta-chave, por categoria de produtos e por área geográfica. Os departamentos de marketing e vendas e os planos e operações sob sua responsabilidade não eram capazes de entregar mais os níveis de resultados esperados pelas indústrias de bens de consumo. O ponto de venda não poderia mais ser entendido como uma variável controlável e sim deveria merecer um tratamento personalizado, tão bom, ou melhor, àquele que era oferecido aos consumidores de bens de consumo. Essa tarefa, que requer foco e dedicação, é responsabilidade do novo departamento de trade marketing. Corstjens e Corstjens (1995, p. 222), destacam que o trade marketing é um marketing industrial ou B2B (business to business – de empresa para empresa) e que possui três grandes desafios, que são destacados a seguir.
Primeiro, maximizar o valor oferecido aos varejistas. Esses compram os produtos com o objetivo de revendê-los e ter lucro com isso. A decisão de compra é tomada a partir de critérios econômicos (...). Em segundo lugar, garantir que a equação de valor oferecida e todas as atividades para desenvolver o negócio de cada cliente sejam feitas de forma rentável para a indústria (...). Finalmente, como a base de clientes é muito mais concentrada em mercados industriais, o perigo da dependência é muito mais dramático (...) o fornecedor deve dividir e dominar, ou não dividir e ser dominado. (traduzido pelo autor).
Segundo Randall (1994), Os primeiros departamentos de trade marketing foram organizados na Europa (os varejistas europeus, na década de 80 e 90, passaram por muitas transformações que depois se espalharam pelo mundo, como a consolidação das grandes redes). No Brasil, Essa organização adquiriu tal relevância que já existem empresas onde trade marketing tornou-se uma diretoria independente das diretorias de marketing e de vendas. Um dos entrevistados reforça a importância da interface entre marketing e vendas, que o trade marketing pode potencializar:
Enquanto muitos procuram desenvolver formas mirabolantes para atender o mercado, com um pouco mais de presença junto à equipe de vendas e trade, somos capazes de desenvolver coisas simples, práticas e que vão de encontro com as necessidades, trazendo para nossa empresa resultados surpreendentes e positivos com o menor custo e maior foco.
Já o departamento de vendas era organizado com gerentes responsáveis por áreas geográficas pré-estabelecidas e também passou por alterações: 60% constituíram uma equipe segmentada por canal de distribuição e 30% formaram uma equipe dedicada, com exclusividade, a cada conta-chave (Carrefour, CBD e Wal-Mart). Essa equipe de especialistas, segundo Kumar (2004), deve obter a concordância da administração superior da indústria e do varejista acerca das metas de negócios, elaborar uma estratégia conjunta para ambos que seja ratificada em um acordo de parceria que, finalmente, é implementado por meio de planos de ação anuais. No caso de fabricantes e varejistas globais, essa atividade ganha uma complexidade maior, pois deve ser desenhada levando em consideração o negócio em diferentes regiões e países. A contrapartida desse esforço é que um acordo sólido entre ambas as partes, oferece não somente uma possibilidade de reduzir os conflitos, mas também de desenvolver os negócios em escala muito maior. Esse é o motivo porque as indústrias, com atuação global, têm desenvolvido times mundiais para atender os varejistas com atuação internacional. A equipe de desenvolvimento de negócios com os clientes mundiais da Procter & Gamble, por exemplo, é composta de um líder que é responsável por gerentes de tecnologia da informação, gerenciamento de espaços, finanças, vendas, suprimentos, marketing e pesquisa de mercado. Essa equipe negocia as diretrizes estratégicas do negócio e monitora a sua efetiva implementação pelas equipes locais que atendem as contas-chave.
Outra responsabilidade dessa equipes é a de elevar o nível de serviço prestado aos varejistas e, por meio deles, atingir o consumidor final. Uma iniciativa que merece destaque é a baseada na chamada resposta eficiente ao consumidor (em inglês efficient consumer response [ECR]) que, segundo Parente (2000, p. 239), consiste em
[...] um esforço conjunto entre fabricantes e varejistas para identificar oportunidades de melhoria nas práticas comerciais e no uso de novas tecnologias [...] Por meio do foco na eficiência de toda a cadeia de suprimento, em vez da eficiência individual das partes, reduzem-se os custos totais do sistema, dos estoques e bens físicos, ao mesmo tempo em que o consumidor tem a possibilidade de escolher produtos mais frescos e de melhor qualidade.
Para implementar a ECR, além do comprometimento das lideranças das empresas, é necessário um investimento em hardware e software. Kumar (2004) aponta que a ECR pode reduzir em até 11% os custos da cadeia de distribuição.
Essa nova equipe de vendas que, no passado, era avaliada pelo atingimento de volume de vendas, passa a ter novos indicadores de desempenho, como o nível de satisfação dos clientes e o incremento do resultado operacional por canal ou por conta-chave. Rosenbloom (2002, p. 345) destaca a necessidade da existência e do monitoramento dos indicadores por canal de distribuição, pois
[...] nenhuma empresa bem gerenciada poderia operar com êxito a longo prazo sem avaliar periodicamente o desempenho de seus empregados. O mesmo vale para os membros do canal, pois o sucesso da empresa em alcançar seus objetivos depende muito da qualidade dos membros independentes.
4 Considerações finais
As mudanças que ocorreram no varejo alimentício nos últimos dez anos pegaram as indústrias de bens de consumo não-duráveis desprevenidas. Com estratégias focadas no consumidor final, pouca importância era dada aos canais de distribuição, que sem poder de barganha e pressionados pelos consumidores, eram obrigados a ter os produtos líderes em suas prateleiras. Quando, especialmente, as redes de supermercados ganharam força, passaram a exercer pressão por preços e serviços melhores, fazendo com que os fabricantes perdessem sua rentabilidade. Além disso, a concorrência entre os varejistas está gerando novos formatos de varejo, que competem entre si e que as indústrias não possuem expertise sobre como atender. Os fabricantes pesquisados reconhecem que as mudanças ocorridas são importantes, pois geram um impacto negativo em seus negócios e devem continuar se intensificando nos próximos anos. Nesse momento não é possível afirmar que as indústrias voltarão a ter resultados tão expressivos como obtinham no passado, porém percebe-se que estão revisando suas estratégias e estruturas com esse objetivo e levando em consideração esse novo ambiente de negócios.
Cada um dos itens do marketing mix foi revisto, considerando qual a solução mais adequada sob a ótica não só do consumidor, como também dos varejistas. Nesse contexto, produtos e preços desenhados sob medida para uma rede de supermercados ou um canal de distribuição são uma realidade hoje. Os investimentos de trade marketing aumentaram no orçamento de marketing, o que pode esconder uma outra armadilha no futuro, pois marcas fortes são imprescindíveis para o sucesso de uma empresa que fabrica e comercializa bens de consumo e é necessário investir para preservar a saúde das marcas.
Novas estratégias demandam novas estruturas e, em conseqüência disso, equipes de trade marketing foram constituídas para gerenciar as estratégias e planos para cada canal de distribuição, assim como foram organizadas equipes de vendas especialistas, seja em canais de distribuição específicos, seja em contas-chave.
A maior parte dos pesquisados acredita que as tendências que hoje impactam em seus negócios continuarão presentes nos próximos anos. Dessa forma, não é impensável dizer que novas estratégias ainda serão concebidas e estruturas desenhadas pelos fabricantes em sua luta pela sobrevivência e pelo lucro. É necessário, portanto, reflexão e flexibilidade para se preparar para esse futuro.
Finalmente, vale ressaltar que esse estudo pode e deve ser complementado com outros trabalhos que investiguem, com mais profundidade, cada uma das mudanças pelas quais o varejo vem passando, bem como com estudos que monitorem a efetividade das estratégias desenvolvidas pelas indústrias e os novos modelos que possam vir a ser desenvolvidos no futuro.
Referências
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Recebido em: 29 mar. 2006
Para referenciar este texto
MOTTA, R. G.; SILVA, A. V. da. Aumento da competição no varejo e seu impacto na indústria. Revista Gerenciais, São Paulo, v. 5, 2006.
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