quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

As Antigas Iniciações (by Rodrigo Motta, 2005)

Para entendermos mais sobre as iniciações, vamos começar por conhecer a origem da palavra. Esta vem do latim Initiare, que significa início. Ao dividir esta palavra, descobre-se que esta vem de outra duas: in, para dentro e ire, ir. Iniciação pode então ser compreendida como o ato de ir para dentro, ingressar. A palavra possui então o duplo sentido de ingressar em algo ou de começo ou princípio do uma nova coisa.

Diversas civilizações e religiões têm rituais de iniciação, que consistem em provas que buscam iluminar os mistérios do desenvolvimento humano para os candidatos que serão iniciados. Os povos primitivos faziam o adolescente passar por provas perigosíssimas, ao final das quais ele podia passar a conviver com os adultos, em sua maioria guerreiros. Este convívio era vedado às mulheres e crianças, o que demonstra que desde seu início a iniciação já possuía um caráter de abrir as portas de sociedades “secretas” para os não-iniciados.

Apesar do caráter perigoso da iniciação, os candidatos não estavam dispostos a abrir mão da mesma, pois havia uma crença que esta permitia a eles entrar em contato com divindade que estava dentro de si. A partir da antiguidade clássica, a iniciação foi perdendo o seu rigor e passou a ter um caráter mais simbólico, onde prevalecem as de cunho moral e intelectual, mais adequadas aos estágios mais avançados da humanidade.

Muitos autores de diferentes vertentes sustentam que a iniciação simbólica está presente na sociedade atual, seja nas religiões, seja em esferas mais sutis, como pode ser visto nas abordagens junguianas sobre a evolução do homem na sociedade moderna (para maiores detalhes, estudar o livro João de Ferro, de Robert Bly).

Para compreender com mais profundidade o papel e a importância da iniciação na vida moderna e na maçonaria em particular, esse texto vai apresentar com mais detalhes quatro rituais iniciáticos que eram realizados pelos antigos: os egípcios, os hebreus, os essênios e os cristãos.

1. A Iniciação egípcia

A iniciação egípcia é relacionada com o corpo humano. Os egípcios praticavam a iniciação na Grande Pirâmide, que não passa de representação do corpo humano e de Deus, que se encontra em nosso interior (pirâmide vem de “PYR”, que equivale a fogo ou espírito). O aspirante inicia sua iniciação escalando a pirâmide, até chegar a uma pequena porta, onde deve entrar. Isso representa o fato de que o caminho do auto-desenvolvimento é estreito, quando comparado às outras opções que temos em nosso dia a dia.

O candidato é então recebido por dois iniciados, que o levam até um longo corredor. O candidato, após atravessar um extenso corredor, chega até um precipício. Este abismo representa as tentações dos desejos. Ele deve passar pelas tentações e baixar ao corpo obscuro de seu próprio corpo, descendo por uma estreita escada. Ao final da mesma, depara-se com uma janelinha, que conduz a outro corredor descendente. Ao continuar sua trilha, depara-se com o um aviso que prenuncia as provas que virão a seguir:

“Todos os que percorrem esta senda, sós e sem mirar para trás, serão purificados pelo fogo, água e ar”.

O final do corredor leva o candidato a encontrar três aspirantes, que estão vestidos com a máscara de Anúbis, que o avisam que ele se encontra à frente da porta da morte. Firme em sua decisão, o iniciado avança e chega a uma sala onde ardem piras cujas chamas se cruzam no centro da mesma. Se não tiver medo e for em frente, para sua surpresa verá que as chamas se apagam. O candidato passou pelo Fogo da Sabedoria, que só se abre àqueles com pensamentos e corpos puros, castos e fortes.

O caminho continua e o aspirante chega a uma sala inundada e para atravessar a água, é necessário levar as roupas ao alto com uma mão e nadar com a outra. A travessia não será fácil, pois a água é agitada, e a agitação representa os desejos. Vencidos seus desejos, o iniciando, na outra margem, veste-se e sobe uma escada, no topo da qual estão duas argolas.

Ao puxá-las, o chão se abaixa e fica o candidato suspenso no ar por alguns segundos, até o chão retornar aos seus pés. A terceira prova, a prova do ar, pertence ao mundo mental, que estimula e guia nosso cérebro rumo aos pensamentos altruístas.

Vencidas as três provas, o candidato é recebido por um sacerdote que o parabeniza e lhe oferece um copo de água pura, símbolo do aperfeiçoamento moral. Ajoelha-se então em frente à imagem de Osíris, Ísis e Hórus, a sagrada trindade. Está concluída a parte material da iniciação.

Esta, porém, continuará durante sua educação iniciática, já que o iniciado será tentado diversas vezes, para que ponha a prova seu aprendizado. Vai aprimorar o domínio sobre seu corpo através do jejum e do trabalho, a alma através da repressão consciente de suas paixões e o mental através da meditação. Após passar por essas provações, chega o momento da última prova, que consiste em passar a noite dentro de um sarcófago. Este representa o fato de que a verdade interna encontra-se em nós mesmos e para chegar a mesma é necessário mergulhar em nosso mundo interno.

2. A iniciação hebraica

Assim como a pirâmide, o tabernáculo representa o corpo físico. Como este se encontra no deserto, representa o corpo físico no deserto da matéria. O tabernáculo está orientado de leste para oeste. Enquanto o leste representa a frente do homem, o oeste é a parte inferior. O candidato, após entrar pela porta oriental, segue rumo o ocidente, até tocar o altar das oferendas e o altar dos sacrifícios, onde são queimadas as oferendas. Depois chega ao lavabo de bronze, que representa a purificação pela água, para depois penetrar no quarto oriental chamado Lugar Santo e finalmente o Santum Sanctorum, onde se acha a arca da aliança, o símbolo mais grandioso de todos.

A porta do tabernáculo estava na fachada oriental e estava coberta com uma cortina de linho de três cores: vermelho (Espírito Santo), amarelo (Filho) e azul (Pai). Vale ressaltar a presença da Trindade na iniciação hebraica, assim como já havia sido vista na egípcia.

Após a entrada no tabernáculo, o candidato chegava ao altar de bronze e no mesmo sacrificava um objeto pessoal, que devia ser consumido pelo fogo. Esta é a primeira grande lição dessa iniciação, o sacrifício de nossos instintos animais. A nuvem que cobre o altar representa nossos remorsos.

Em seguida o aspirante devia lavar-se no lavabo de bronze, grande pia que sempre se encontrava cheia de água, de forma a acalmar o fogo dos desejos que podem consumir o ser humano.

Em seguida, o candidato é levado para o Lugar Santo, que não possui nenhuma luz externa, apenas uma luz interna, para que ele tente se voltar para dentro de si e procurar o que há dentro de sua existência. Finalmente, tem ele acesso ao Santum Sanctorum, que representa a cabeça do homem, onde estão seus pensamentos mais íntimos. Nele, o aspirante encontrava finalmente a arca da aliança (representa o desenvolvimento da cabeça do homem em todas as idades), o pote de ouro do maná (mente que baixou ao corpo humano), a vara de Aarão (princípio criador refletido no sexo). Dois querubins guardam o recinto, um representando nossas paixões vulgares e o outro nossas aspirações e ideais. No centro do recinto está o Triângulo Sagrado de Shekinah, que simboliza a presença de Deus.

3. A iniciação essênia

A Ordem dos Essênios era constituída, no tempo de Jesus, pelo resto final das fraternidades dos profetas, organizadas por Samuel e possuíam dois centros principais, sendo um no Egito e outro na Palestina. O nome essênio deriva de uma palavra síria, assaya, ou médico. Eram os essênios responsáveis por curar tanto as enfermidades físicas quanto morais. Literatura pesquisada atesta que Jesus Cristo pertenceu à ordem.
As regras da ordem eram muito severas, para entrar nela era necessário um ano de noviciado, seguidos de dois anos de provas até chegar o momento de pronunciar terríveis juramentos e ser recebido na Ordem e não trair os segredos dela.

A iniciação essênia possui sete estados distintos da ascensão da alma para Deus. O primeiro é o estado da prece, onde as energias intelectuais são concentradas sobre Deus como objeto do pensamento. O segundo estado é o da prece mental, onde os fenômenos ilusórios do mundo invisível passam a ser vistos como uma significação do divino.

A evolução para o terceiro estado implica que o aspirante deve modelar sua vida prática de acordo com a teoria do segundo estado, isto é, realizar todo ato externo que se harmonize com significação interna. A conclusão desse estágio é quando o aspirante renuncia a todas as suas predileções, pensamentos e vontades. O quarto estágio, chamado de prece da quietude, exige que o aspirante imole seu eu e se entregue genuinamente na mão de Deus.

A passagem de um estágio para outro segue uma ordem lógica e o quinto estágio implica na total identificação da alma do homem com a de Deus. Está pronto o aspirante para o sexto estágio, o da prece estática, onde o aspirante é transportado acima e fora de si mesmo, representando uma união com a divindade por meio do amor positivo. Chega o momento do aspirante ir para o sétimo e final estágio, que é o rapto. Nele, o aspirante renuncia tudo que é corporal em volta de si, tornando-se puro espírito, capaz de se unir Deus. Este é o casamento, a entrada de Deus no interior do homem.

Para quem tem interesse em se aprofundar na iniciação essênia, no livro “A Iniciação de Jesus”, Manoel Kronfly dá detalhes deste processo de iniciação, utilizando o exemplo da iniciação de Jesus para tanto.

4. A iniciação cristã

A iniciação cristã tem início com o batismo, como disse Jesus, “Em verdade, te digo que não pode entrar no Reino de Deus senão aquele que for nascido da água e do Espírito Santo”. Jesus inclusive cumpriu este ritual no Rio Jordão, que tem semelhanças com a prova da água na pirâmide (iniciação egípcia) e a limpeza no lavabo de bronze (iniciação hebraica).

O símbolo externo do batismo nos indica a necessidade de pureza interna de nossos desejos e paixões. Após essa etapa, cabe ao cristão sofrer a prova da tentação, onde ele deve escolher para onde vai direcionar seu potencial criativo, se para o bem ou para o mal. Tem-se em seguida a transfiguração, processo do espírito que ilumina o corpo, onde o cristão é pobre, mas pode conceder riquezas e é quieto, mas inspira as mais elevadas idéias nos seus semelhantes.

Deve então o iniciado passar por três sacrifícios: o do corpo físico (onde o homem passa a trabalhar pelo bem estar físico de todos e não apenas do seu individual), o da alma (soma-se ao aprendizado anterior a preocupação com o bem-estar espiritual dos companheiros) e pela crucificação, onde o iniciado se coloca à disposição para morrer pelos demais, sem aspirar a recompensa alguma.

Pelas suas semelhanças, percebem-se nas iniciações apresentadas diversas semelhanças entre si e com as iniciações maçônicas, que se dúvida tem sua origem no início da humanidade, tendo bebido de diversas fontes e provavelmente não apenas essas estudadas e brevemente mencionadas nesse trabalho. De qualquer forma, fica a reflexão que o processo iniciático, deve ser visto como uma representação externa de nossa vida interna e quando é feito com seriedade e dedicação, conduz ao auto-desenvolvimento pessoal e através do mesmo ao desenvolvimento da sociedade, independente de qual iniciação escolhe-se por adotar.

Referências Bibliográficas
Adoum, Jorge – As chaves do reino interno: Pensamento, 2004.
Adoum, Jorge – Grau de aprendiz e seus mistérios: Pensamento, 2002.
Aslan, Nicolas – Comentários ao ritual de aprendiz: Maçônica, 1990.
Bly, Robert – João de Ferro: Campus, 1991.
Cerinotti, Ângela – Maçonaria: Globo, 2004.
Konfly, Manoel – A iniciação de Jesus: Pensamento, 1944.

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