Conto: Paquerinha Urbana
Autor: Rodrigo Guimarães Motta
Escrito em: 1994
O edifício, de classe média, ficava em um bairro cinzento e anônimo da capital. Cida morava no segundo andar, enquanto sua melhor amiga, Lurdinha, estava no de cima. As duas empregadas domésticas sempre conseguiam um tempo à tarde para fofocar. Pouco importava o assunto que iniciava a conversa, logo suas paqueras eram o centro do papo. Naquela quarta não era diferente.
- Ai Lurdinha, desde que você começou a sair com o João Batista eu tenho me sentido sozinha. Nem no pagode de sábado tenho ido – a morena peituda e manhosa da Cida se queixava para a amiga no boteco aonde iam tomar cafezinho e fumar cigarro barato.
- Sozinha porque você quer. Com esse corpo, não tem homem que não te queira. Até meu patrão não tira o olho de você.
- Deus me livre, não quero incomodação com homem casado. Estou a fim de um gatão trabalhador, bom de beijo e com ginga mole, para dançarmos no fim de semana – Cida sorriu maliciosa – que nem o João Batista...
- Nem chegue perto que esse já tem dono, sua galinha. Agora, vou te ajudar, que assim você larga do meu pé. O João tem um primo do interior, jogador de futebol, que veio fazer testes nos times da capital. Seu nome é Dorivaldo e tem um bumbum de tirar o fôlego – a baixinha Lurdinha olhou sugestivamente para a amiga, que retribuiu o olhar.
- Como vou fazer para conhecer ele?
- A gente liga para o João e marca de ir os quatro juntos dançar no sábado.
- Tá louca? Se não me dou bem com o cara vai ser muito chato. Que tal combinar com ele de me encontrar amanhã no centro, na frente daquela sorveteria que sempre vamos?
- A madame quer tudo de mão beijada, não é? Para sua sorte, adoro dar uma de pombo-correio. Vou marcar com o Dorivaldo. Coloque uma blusa vermelha para ele te reconhecer – Lurdinha tomou o último gole de café e se levantou – Vamos emborar que tenho que preparar o jantar.
- Minha amigona! – Cida exclamou ao mesmo tempo que dava um beliscão no traseiro da amiga. Saiu correndo, os peitos chacoalhando sob a camisa folgada. A outra foi atrás para dar o troco. O caixa do bar ainda gritou para as duas que corriam:
- Gostosas!
Cida olhou ansiosa para o relógio. Faltavam dez minutos para as seis horas. Lurdinha tinha combinado com Dorivaldo às cinco e quarenta e cinco, ele já estava atrasado.
Ela tinha um pressentimento que ele não ia vir. Afinal essa quinta não ia andando como deveria. A patroa não gostou nada dela tirar quinta a noite de folga. Haviam discutido pouco antes de Cida sair. Nervosa, derramou o suco que estava tomando na blusa vermelha. Fizeram as pazes, mas ela teve que colocar outra blusa, azul.
Seis e dez. Ela já havia roído todas as unhas da mão direita. O filho da pu.. não ia vir. Nesse momento, alguém bateu no seu ombro e falou:
- Sua blusa está desabotoada atrás.
- O que? – Cida tirou a mão da boca e olhou para o moreno, cara de malandro, calça de brim e camisa estampada.
Ele repetiu que a blusa dela estava aberta atrás, com sua voz atrevida.
- Ih, que vexame, obrigado por me avisar.
- Se quiser posso fechar para você – os olhos dele brilhavam, ávidos.
- Cida agradeceu, impaciente. Já estava entendendo qual era a do cara. Falou que ia ao banheiro da sorveteria fechar. O moreno não se deu por achado, argumentou que ia com ela, o banheiro servia tanto para homem quanto pra mulher.
- Engraçadinho. Acontece que eu quero fazer xixi também – percebeu que fora muito agressiva e se arrependeu. Afinal, ele era um gatinho. Cara de pau, mas um gatinho.
Os olhos do moreno não perderam a avidez, mas se tornaram também duros e penetrantes – Melhor ainda. Isso me lembra de casa, mamãe vai ao banheiro de porta aberta.
Era o fim! Cida, furiosa, se esqueceu do que tinha ido fazer ali. Toda raiva que podia sentir estava concentrada no inimigo à sua frente. Não tinha nada a ver com a vida dele, respondeu, e só mijava de porta fechada.
Ficaram quietos por alguns segundos. Ambos se odiando e se admirando, como duas feras se preparando para o confronto. Cida vacilou, ia pedir desculpas e ir embora numa boa, o Dorivaldo não vinha mais. Mas para ele a rixa não havia acabado.
- Tão brava, deixa eu te dar um beijinho para te acalmar.
- Vá pedir para a sua mamãe – saiu correndo na rua movimentada do centro da cidade. Com os olhos cheios de água. O dia fora tão ruim que Cida só queria voltar para o seu quartinho no segundo andar e chorar um pouco. O ponto era a dois quarteirões dali e ela partiu no ônibus lotado, o cheiro da colônia que havia passado se perdendo naquela confusão de odores e suores.
No dia seguinte, Lurdinha encontrou uma Cida diferente no boteco. O copo, de café frio, o rosto nublado, nada convidava para o papo.
- Oi. O João me ligou e falou que deste o cano no Dorivaldo. O que aconteceu?
- Eu dei o cano? – Cida explodiu – Esperei o viadin.. um tempão, roí minhas unhas, briguei com um cara e nada do Dorivaldo. Não quero ver esse aí nem pintado de ouro na minha frente – Cida tomou o café frio de um gole só – E essa mer.. tá fria!
- Não é possível. O João me falou que o primo ficou até sete da noite na sorveteria, mas não viu nenhuma menina de blusa vermelha.
Cida começou a pensar rápido. No seu rosto a raiva virou espanto e desconsolo – É mesmo! Eu derramei suco na blusa antes de sair. Como estava com pressa, coloquei uma outra azul. Ele não podia me reconhecer mesmo – completou com voz chorosa.
- Não fica assim, boba. Eu ligo para o João e explico o que aconteceu. Vamos no pagode sábado e vocês tiram o atraso – Lurdinha piscou o olho – Veja a foto que o João me deu ontem. O moreno do lado dele é o Dorivaldo. Lindo, hein?
Cida mal acreditava no que estava vendo. O Dorivaldo da foto era o mesmo moreno de calça brim e camisa estampada que ela havia brigado na véspera. Sua primeira reação foi falar que não ia sair com ele. Logo, porém, se lembrou do arrepio que havia sentido quando ele se ofereceu para abotoar sua blusa e a raiva e atração cresceram emaranhadas dentro dela na discussão. Cafajeste, mas com aquela cara de pau, deveria ser muito interessante. Cida pensou que ela sabia como domar esse tipo de homem. O arrepio voltou e ela empinou os peitos, mais provocante do que nunca.
- Combinado. Sábado então – As duas se levantaram, Lurdinha tomou um beijo estralado da amiga e saíram as duas de mãos dadas do bar, rumo ao prédio cinzento que moravam. O caixa, vendo as duas saírem rebolando tão fasceiras, não resistiu:
- Gostosas!
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